Novo Decreto Anticorrupção e impacto no Programa de Integridade das empresas.
Por Rodolfo Viana Pereira
Nesta semana, o Governo Federal publicou o Decreto 11.129/2022, revogando o anterior Decreto 8.420/2015. A norma regulamenta a Lei 12.846/2013, conhecida como Lei Anticorrupção, e traz importantes alterações para temas como Programa de Integridade, Acordo de Leniência, Processo Administrativo de Responsabilização (PAR), fixação de multa pela prática de ilícitos, dentre outros.
Muito embora a referida legislação trate da responsabilização das pessoas jurídicas por atos ilícitos cometidos contra a administração pública – ou seja, na relação com o poder público –, ela serve como norte de orientação para todo o mercado corporativo, inclusive para as relações entre empresas privadas.
Um dos pontos de maior destaque é a definição da importância e dos requisitos obrigatórios do Programa de Integridade. Vejamos, de modo resumido, quais foram as alterações mais relevantes, agora listadas no art. 57 do novo Decreto.
A primeira delas é a criação de um novo objetivo do programa, qual seja, o de fomentar a cultura de integridade no ambiente organizacional da empresa. Isso implica que a temática do compliance deve fazer parte do dia a dia da organização, isto é, deve ser incorporada à cultura empresarial, reforçando a ideia de que compliance de fachada não é compliance. Afinal, como deriva do próprio caput do art. 56 do Decreto: não há Programa de Integridade se não houver efetividade na aplicação das suas normas, políticas e procedimentos.
Um dos principais indicativos desta efetividade passa agora a ser a capacidade de a empresa demonstrar que destina recursos financeiros para custear o Programa. Essa questão não era abordada de modo expresso anteriormente. O novo Decreto destaca essa obrigação em dois momentos: ao definir comprometimento da alta direção (art. 57, I) e a gestão de riscos (art. 57, V). Em ambos os casos, os requisitos só serão considerados cumpridos se demonstrado que a empresa aloca recursos adequados.
Outro ponto relevante é que passa a ser obrigatório não apenas a existência de treinamentos, mas também de ações de comunicação periódicas. Isso implica que as estratégicas de divulgação das ações, das normas, das políticas e dos procedimentos de compliance não podem se reduzir aos treinamentos tradicionais. A empresa deve promover outras medidas para garantir acesso a essa informação, seja para os colaborados, seja para os fornecedores, parceiros e sociedade em geral.
Quanto à denúncia da prática de ilícitos, para além da exigência anterior de ampla disponibilização de canal de denúncias, o decreto faz referência à obrigação de existência de mecanismos para tratamento dos relatos. Nada novo, se levarmos em consideração que essa é a prática usual: recebida a denúncia, é preciso investigar. Fato é que essa alteração pode levar a um maior rigor na averiguação do procedimento investigatório: se há regulamentação interna, se há pessoal capacitado para a tarefa, como se dá, na prática, a gestão de consequências e a aplicação de medidas disciplinares, etc.
Um ponto que sofreu modificação substancial foi o procedimento de due diligence de integridade (“diligências apropriadas” na linguagem do decreto). Houve significativa ampliação das pessoas que devem ser submetidas a investigações reputacionais pela empresa. O decreto anterior previa diligências relativas a alguns terceiros, a saber, fornecedores, prestadores de serviço, agentes intermediários e associados. O novo decreto inclui expressamente nesta categoria os despachantes, consultores e representantes comerciais. Além disso, menciona ainda duas novas categorias de alvos: (i) as pessoas expostas politicamente[2], seus familiares, estreitos colaboradores e pessoas jurídicas de que participem e (ii) os beneficiários de patrocínio e doações.
Para fins de verificação de cumprimento do que dispõe o decreto, a avaliação do Programa de Integridade deve considerar o porte e as especificidades da pessoa jurídica. Ou seja, os processos avaliativos devem ser regidos pelo princípio da proporcionalidade. Isso é importante porque a efetividade e a robustez do Programa são fatores decisivos para diminuição de multa por eventual prática ilícita.
Essa já era uma determinação anterior. Mas quais são os critérios a nortear essa análise? O primeiro decreto trazia uma lista de aspectos a serem considerados e que foram alargados pelo novo diploma legal, dentre eles, deve-se agora avaliar igualmente o montante do faturamento, a estrutura de governança corporativa e se há caracterização de grupo econômico.
Por fim, uma alteração que impacta diretamente as microempresas e empresas de pequeno porte (ME e EPP). A regulamentação anterior dispensava tais empresas do cumprimento de vários requisitos. Elas, por exemplo, não precisavam cumprir a exigência de realização de análise de risco, due diligence e disponibilização de canal de denúncias (art. 41, §3º do Decreto 8.420/15).
No novo decreto, essa regra não existe mais. Foi apenas prevista uma eventual simplificação do processo de avaliação aplicável a elas, a ser regulamentada pelo Ministro da Controladoria-Geral da União (art. 67, III, do Decreto 11.129/22). O novo cenário legal leva à conclusão de que, muito embora a robustez e a efetividade do Programa de Integridade da ME e da EPP devam ser analisados com base no princípio da proporcionalidade, elas estão obrigadas ao cumprimento de todos os requisitos aplicáveis às demais empresas.
Com a publicação do recente Decreto, a principal lição a reter é a de que a legislação anticorrupção brasileira veio para ficar. Sua aplicação tem sido aprimorada e ampliada a cada dia, com um crescente número de órgãos públicos se estruturando para promoção das sanções pelo seu descumprimento. Basta uma breve consulta ao CNEP (Cadastro Nacional de Empresas Punidas) para se perceber o número exponencial de multas aplicadas. Sem contar, por óbvio, o efeito cascata que a legislação promove junto ao mercado, fazendo com que sua observação pelas empresas, mesmo nas relações privadas, passe a ser uma exigência não só de boa governança, mas também de sobrevivência.
[1] Sócio fundador e consultor da SG Compliance. Advogado. Professor da Faculdade de Direito da UFMG em colaboração técnica com a UFMA.
[2] A PEP (Pessoa Exposta Politicamente) é aquela que desempenha ou tenha desempenhado, nos últimos cinco anos, no Brasil ou em países, territórios e dependências estrangeiras, cargos, empregos ou funções públicas relevantes.